Total de visualizações de página

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA








Texto de Luiz Antônio Simas

Chegamos ao limite da insanidade da onda do 

politicamente correto.
Soube dia desses que as crianças, nas creches
 e escolas, não cantam mais O cravo brigou com 
a rosa. A explicação da professora do filho de
 um camarada foi comovente: a briga entre o cravo
 - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a 
violência entre os casais. Na nova letra "o cravo
 encontrou a rosa debaixo de uma sacada/o cravo
 ficou feliz /e a rosa ficou encantada".

Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o

 cravo na Lei Maria da Penha..
Será que esses doidos sabem que O cravo brigou 

com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que 
Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no 
folclore brasileiro?

É Villa Lobos, cacete!

Outra música infantil que mudou de letra foi Samba

 Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o
 seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça 
quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas 
palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita 
a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal 
agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma 
febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai 
estudar.

Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia

 pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de 
quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até
 registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de
 Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola
 Criança Feliz.

Comunico também que não se pode mais atirar o pau 

no gato, já que a música desperta nas crianças o
 desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda
 dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados
 para se casar com um. Sete namorados é coisa de 
menina fácil.
Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para

 não despertar na garotada o sentido da desigualdade
 social entre os homens.

Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se

 saiu com essa e não procurei a referência no meu 
babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado
 porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa
 de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato,
 era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô,
 com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil 
novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava 
militando na causa da preservação do mico leão dourado,
 em defesa das bromélias o u coisa que o valha. Bicha
 louca, diria o velho.

Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer

 dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa
 de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha 
da correção, mas isso é uma tremenda babaquice.
 O politicamente correto é a sepultura do bom humor, 
da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa
de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa 
a bicha alguma.

Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor

 de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de 
deficiente vertical . O crioulo - vulgo picolé de asfalto 
ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado 
de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo
 ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de
 pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que 
nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de
 artilharia pesada, também conhecida como o rascunho
 do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão
 divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade.
 O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta 
do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o cidadão
 que está fora do peso ideal. O magricela não pode 
ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e 
Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de
 mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.

Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais 

citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor 
Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais..
. Não dá. O politicamente correto também gera a morte
 do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.

O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos

 gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações 
das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra
 putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho
 do cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da 
Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de
 Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.

Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice 

não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, 
acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o 
Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral,
 o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem 
motivos para sorrir na beira da sepultura. Avelhice 
agora é simplesmente a "melhor idade".  (Ihhh... 
tão falando de mim...)Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais 
perfeita saúde. Defuntos? Não.
Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto.

Abraços,
Luiz Antônio Simas

(Mestre em História Social pela Universidade Federal 

do Rio de Janeiro e professor de História do ensino médio).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário ...