(Max Geringher)
Numa das empresas em que trabalhei, eu fazia parte de um grupo
de treinadores voluntários.
Éramos coordenados pelo chefe de treinamento, o professor Lima,
e tínhamos até um lema:
"Para poder ensinar, antes é preciso aprender" (copiado, se bem
me recordo, de uma literatura do Senai). Um dia, nos reunimos para
discutir a melhor forma de ministrar um curso para cerca de 200
funcionários. Estava claro que o método convencional: botar todo mundo
numa sala, não iria funcionar, já que o professor insistia na
necessidade da interação, impraticável com um público daquele tamanho.
Como sempre acontece nessas reuniões, a imaginação voou longe do
objetivo, até que, lá pelas tantas, uma colega propôs usarmos um
trecho do Sermão da Montanha como tema do evento.
E o professor, que até ali estava meio quieto, respondeu de
primeira. Aliás, pensou alto:
- Jesus era peripatético...
Seguiu-se uma constrangida troca de olhares, mas, antes que o
hiato pudesse ser quebrado por alguém com coragem para retrucar a
afronta, dona Dirce, a secretária, interrompeu a reunião para dizer
que o gerente de RH precisava falar urgentemente com o professor. E lá
se foi ele, deixando a sala à vontade para conspirar.
- Não sei vocês, mas eu achei esse comentário de extremo mau
gosto, disse a Laura.
- Eu nem diria de mau gosto, Laura. Eu diria ofensivo mesmo,
emendou o Jorge, para acrescentar que estava chocado, no que foi
amparado por um silêncio geral.
- Talvez o professor não queira misturar religião com
treinamento, ponderou o Sales, que era o mais ponderado de todos.
- Mas eu até vejo uma razão para isso...
-Que é isso, Sales? Que razão?
-Bom, para mim, é óbvio que ele é ateu.
-Não diga!
-Digo. Quer dizer, é um direito dele. Mas daí a desrespeitar a
religiosidade alheia...
Cheios de fúria, malhamos o professor durante uns dez minutos e,
quando já estávamos sentenciando à fogueira eterna, ele retornou. Mas
nem percebeu a hostilidade. Já entrou falando:
-Então, como ia dizendo, podíamos montar várias salas separadas
e colocar umas 20 pessoas em cada uma. É verdade que cada treinador
teria de repetir a mesma apresentação várias vezes, mas... Por que
vocês estão me olhando desse jeito?
-Bom, falando em nome do grupo, professor, essa coisa aí de
peripatético, veja bem...
-Certo! Foi daí que me veio a idéia. Jesus se locomovia para
fazer pregações, como os filósofos gregos também faziam, ao orientar
seus discípulos.
Mas Jesus foi o Mestre dos Mestres, portanto a sugestão de usar
o Sermão da Montanha foi muito feliz. Teríamos uma bela mensagem moral
e o deslocamento físico... Mas que cara é essa?
- Peripatético quer dizer "o que ensina caminhando".
E nós ali, encolhidos de vergonha. Bastaria um de nós ter tido a
humildade de confessar que desconhecia a palavra que o resto
concordaria e tudo se resolveria com uma simples ida ao dicionário.
Isto é, para poder ensinar, antes era preciso aprender. Finalmente,
aprendemos.
Duas coisas.
A primeira é: o fato de todos estarem de acordo não transforma o
falso em verdadeiro.
E a segunda é: que a sabedoria tende a provocar discórdias.
Mas a ignorância é quase sempre unânime.
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