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quinta-feira, 26 de abril de 2012

JESUS ERA PERIPATÉTICO

 (Max Geringher)
 
 Numa das empresas em que trabalhei, eu fazia parte de um grupo
 de treinadores voluntários.
 Éramos coordenados pelo chefe de treinamento, o professor Lima,
 e tínhamos até um lema:
 
"Para poder ensinar, antes é preciso aprender" (copiado, se bem
 me recordo, de uma literatura do Senai). Um dia, nos reunimos para
 discutir a melhor forma de ministrar um curso para cerca de 200
 funcionários. Estava claro que o método convencional: botar todo mundo
 numa sala, não iria funcionar, já que o professor insistia na
 necessidade da interação, impraticável com um público daquele tamanho.
 Como sempre acontece nessas reuniões, a imaginação voou longe do
 objetivo, até que, lá pelas tantas, uma colega propôs usarmos um
 trecho do Sermão da Montanha como tema do evento.
 E o professor, que até ali estava meio quieto, respondeu de
 primeira. Aliás, pensou alto:
 
- Jesus era peripatético...
 
Seguiu-se uma constrangida troca de olhares, mas, antes que o
 hiato pudesse ser quebrado por alguém com coragem para retrucar a
 afronta, dona Dirce, a secretária, interrompeu a reunião para dizer
 que o gerente de RH precisava falar urgentemente com o professor. E lá
 se foi ele, deixando a sala à vontade para conspirar.
 
- Não sei vocês, mas eu achei esse comentário de extremo mau
 gosto, disse a Laura.
 - Eu nem diria de mau gosto, Laura. Eu diria ofensivo mesmo,
 emendou o Jorge, para acrescentar que estava chocado, no que foi
 amparado por um silêncio geral.
 - Talvez o professor não queira misturar religião com
 treinamento, ponderou o Sales, que era o mais ponderado de todos.
 - Mas eu até vejo uma razão para isso...
 
-Que é isso, Sales? Que razão?
 
-Bom, para mim, é óbvio que ele é ateu.
 -Não diga!
 -Digo. Quer dizer, é um direito dele. Mas daí a desrespeitar a
 religiosidade alheia...
 
Cheios de fúria, malhamos o professor durante uns dez minutos e,
 quando já estávamos sentenciando à fogueira eterna, ele retornou. Mas
 nem percebeu a hostilidade. Já entrou falando:
 
-Então, como ia dizendo, podíamos montar várias salas separadas
 e colocar umas 20 pessoas em cada uma. É verdade que cada treinador
 teria de repetir a mesma apresentação várias vezes, mas... Por que
 vocês estão me olhando desse jeito?
 
-Bom, falando em nome do grupo, professor, essa coisa aí de
 peripatético, veja bem...
 
-Certo! Foi daí que me veio a idéia. Jesus se locomovia para
 fazer pregações, como os filósofos gregos também faziam, ao orientar
 seus discípulos.
 
Mas Jesus foi o Mestre dos Mestres, portanto a sugestão de usar
 o Sermão da Montanha foi muito feliz. Teríamos uma bela mensagem moral
 e o deslocamento físico... Mas que cara é essa?
 
- Peripatético quer dizer "o que ensina caminhando".
 
E nós ali, encolhidos de vergonha. Bastaria um de nós ter tido a
 humildade de confessar que desconhecia a palavra que o resto
 concordaria e tudo se resolveria com uma simples ida ao dicionário.
 Isto é, para poder ensinar, antes era preciso aprender. Finalmente,
aprendemos.

 Duas coisas.
 
A primeira é: o fato de todos estarem de acordo não transforma o
 falso em verdadeiro.
 E a segunda é: que a sabedoria tende a provocar discórdias.
 
Mas a ignorância é quase sempre unânime.

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